
Já estou mentalizada que não vou ver a luz do sol em Manchester. Por várias razões. Primeiro, porque não consegue ultrapassar a camada de chuva miudinha/nevoeiro que cobre a cidade de modo aparentemente perpétuo (não é uma queixa, é só mesmo uma constatação - eu adoro nevoeiro). Depois, porque a entrar às 08h e sair às 19h mesmo que houvesse sol eu não o veria.
O dia da internagem (desisti de os tratar pelos títulos adequados, até porque hoje aprendi mais 2...) começa às 08h com o "hand over" - passagem de turno em português. O interno que esteve de banco actualiza uma folha de excel com todos os doentes internados, divididos por equipas, cada uma com a sua cor (hehehehe, 50 shades of grey), com diagnósticos, problemas e planos. Muito organizadinhos.
Hoje andei a seguir um dos internos da equipa do chefinho nas Ward rounds. Já percebi que Cir Ped é uma especialidade ambulante em todo o lado (por alguma razão a cirurgiã pediátrica da Anatomia de Grey tem uns ténis com rodinhas, ou melhor, tinha...). Devo ter percorrido o hospital de uma ponta à outra várias vezes durante a manhã. Ao menos serviu de passeio turístico...
Notas variadas sobre o hospital:
- Há gente em todo o lado. Entre nurses, sisters, nurses' assistants, play therapists, fisioterapeutas, médicos, admnistrativos e palhaços, as enfermarias quase parecem Alfama nos Santos.
- Os quartos são enormes, a maioria só tem uma cama, e os pais fazem como se estivessem em casa. Só falta ver roupa a secar nos aquecedores.
- A comida do hospital é inacreditável. Entramos num quarto para ver um doente e à frente das camas vi tabuleiros com 1)hamburguers e batatas fritas, 2)pizza, feijão e batatas fritas, 3) douradinhos e batatas fritas. Perguntei ao meu guia se aquilo era o almoço dos pais. Pois, não. Almoço do hospital para doentes internados. E depois admiram-se quando têm que operar lontras...
- Ninguém usa o telemóvel no hospital. O facto da rede ser quase inexistente seguramente ajuda, mas ainda não vi ninguém atender chamadas particulares, ou sequer mandar sms's. Impressionada e envergonhada ao mesmo tempo...
Hora do almoço passada no The Cupboard. Nota mental: lembrar a malta do HDE para chatiar o chefe... Os internos cirúrgicos sofrem o mesmo abuso independentemente do local, mas alguns são mais reinvidicativos do que outros. Aqui o hospital está em não conformidade pelo facto de os internos fazerem horas (muitas) para além das 48h estipuladas por lei. Portanto a internagem reuniu-se e está a fazer pressão sobre a administraçao para contratar mais SHO (Senior House Officer, uma espécie de IAC ) para diminuirem a carga horária de cada um. A discussão passou pela criação de um email colectivo, alguma paranóia relativamente a retaliações, e várias tentativas para que a ameaça velada de fazerem queixa a uma entidade superior fosse "velada" na medida ideal. A determinada altura tive vontade de ter uma boina e erguer o punho gritando "power to the people!". Às vezes penso que levamos a boa vontade e o amor à camisola way too far.
Bloco à tarde. Estou na "Bum Team". Rabos e tripa. Toda a equipa é impecável. E levam a sério o espírito de hospital-escola. Os mais novos operam tanto ou mais que no HDE. E os mais velhos realmente gostam da tarefa de ensinar. Adorei ver uma consultant a ajudar uma das internas mais novas a fazer a sua primeira colostomia. Perguntas pertinentes, explicações, paciência. Momento bonito.
Às seis e meia, sair a correr numa tentativa desesperada de orientar a vida, numa cidade que parece ter um recolher obrigatório às 19. Cartão para o tlm: check. Supplies alimentares: check. Casa: não check... Pequeno update: Miss OvoMolePodre revelou-se tão incompetente como eu suspeitava. Nada de quartinho para mim na residência do hospital. Depois de uma desilusão tremenda com as duas casas que vi, resolvi perder o amor ao $$ e procurar noutra esfera de preços. Uma casa mais central. Para alguma coisa têm de servir os bancos no HGO. Até lá, vou só continuar a aproveitar este momento de rock star e live large num quarto de hotel...
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