Começando pelas boas notícias: já tenho casa! Apartamento fabuloso, no centro da cidade, super bem decorado, roomates simpáticos. A 10 min a pé do hospital. Más notícias: quarto minúsculo, portanto visitantes terão que optar entre dormir no chão em posição fetal ou dividir a cama comigo (wink wink nudge nudge). Ou hotel, claro - eu já sou cliente da casa do Britannia Sachas, portanto pode ser que consiga um preço simpático. Penso que entidades paterno- fraternais poderão finalmente dormir descansados. A procura de casa foi uma aventura muito mais complicada do que esperava. Claro que o prospecto de ter um quartinho na residência do hospital associado à minha procrastinação embutida (again, procrastinators are the leaders of tomorrow) levaram a que fizesse pouco trabalho de casa antes de cá chegar. Mas o pouco trabalho que fiz também não deu muitos frutos. É difícil perceber o feel de um bairro só pelas imagens de satélite do google (o facto de não existir google street view deveria ter levantado bandeiras vermelhas...). As duas casas que tinha marcado ainda em Lisboa, que me pareciam uma boa opção devido à proximidade do hospital e preço, foram uma desilusão tremenda. Ao que parece a rua do hospital, uma estrada lindíssima, com os edifícios da Universidade, o Museu da Cidade, uma galeria de arte, transforma-se num misto Martim Moniz pré-transformação e Damaia um quarteirão depois do hospital. Sem querer ser xenófoba (aliás, o misto de culturas tem sindo uma das coisas mais interessantes da estadia aqui), na zona muçulmana senti-me pouco segura na rua às 5 da tarde. Os olhares são pouco amigáveis... Talvez explique porque não avistei outros elementos do sexo feminino num trajecto de 800m. Portanto, não contente com o que tinha visto, resolvi subir a parada e procurar no patamar seguinte de preços. E encontrei este apartamento:


"Single bedroom available in a newly renovated 4 bedroom apartment in City Centre Manchester, based in a former College in a Grade 2 listed building. The room has a has a cool 'boutique hotel' feel with wall mounted freeview TV and DVD player. The apartment has an outstanding living/dining room overlooking Canal Street with Cable TV and
WIFI internet access. There is a utility cupboard with Washing dryer, the main bathroom has a Jacuzzi bath and luxurious Shower to relax after a hard days work. The kitchen has all mod cons including Microwave, Dishwasher, Wine Fridge, Double Oven and American Fridge Freezer.
The apartment is close to all major transport links in the city centre being within a few blocks of Piccadilly Train Station and the coach station, and so is very accessible for travel anywhere in the northwest and easy access to the airport. One of the City Centre's few parks is adjacent to the building and is the perfect place to enjoy the Manchester Sunshine (when it does shine). All amenities are literally on your doorstep including the Manchester nightlife. It really is the perfect location for City Centre living"
Como resistir? Ok, bastava olhar para o preço... Mas fazendo as contas seria só mais 80£ por mês que o tal quarto numa casa sem piada nos scary suburbs. E os anos de vida que não iria roubar à minha mommy também deviam ser levados em conta... Portanto, respondi o anúncio e fiquei à espera de resposta. Após uma troca de emails menos encorajoradora - o landlord estava à procura de alguém que ficasse mais tempo, lá combinamos a visita e a interview para esta tarde. Para começar com o pé direito o bloco começou fora de horas (o problema não és só nosso!) e saí com 20 min de atraso. Assim que me apercebi mandei very polite text message a avisar da demora. Nunca menosprezar o apreço inglês pela pontualidade. Resposta rápida, com informação desoladora: no problem, mas despacha-te que vem outra pessoa ver a casa a seguir. Não me tinha ocorrido que poderia haver competição! Portanto, o trajecto até foi passado preprarando o meu A game. Pelo menos por uma vez dava jeito o look crescido do hospital - ar respeitável e responsável... Foi amor à primeira vista. Bastou-me ver a fachada do prédio. Fiz um esforço para não fazer uma declaração de amor desadequada à la Ted assim que o senhorio abriu a porta. Esta foi na realidade a minha primeira "entrevista de emprego". Fui simpática, espirituosa, agradável. Usei os meus talentos feminino e flirtei um bocadinho, mas não muito (para ser sincera acho que ele joga na outra equipa, o apartemento está demasiado bem decorado). E terminei com o meu melhor sorriso e um "I love the place. Pick me!". Fui para casa com o coração apertado. Depois de ver este apartamento todos os outros se transformaram em barracas. Já não me basta saber que vou ter voar em Económica? Sofrimento atroz, a verificar o email de 3 em 3 minutos. Mas o meu sales pitch funcionou! A casa é tão fixe que quero ficar aqui mais tempo...
Por falar em razões para querer ficar aqui por mais tempo: por exemplo, o facto dos sinus pilonidalis serem operados pela plástica? E as unhas encravadas também? E até as suturas da face no A&E serem responsabilidade dos plástcos? E o The Cupboard...
O hospital continua a surpreender. Já começo a perceber as guerras internas (chego à conclusão que nenhum serviço é imune), e quem é bom e quem não é. Os internos basicamente mandam na enfermaria, e não parecem apreciar muito que os especialistas se intrometam, abrindo excepção só para alguns. Na realidade, a maioria deles tem pelo menos 7 ou 8 anos de trabalho como médicos. Enquanto nós fazemos um mísero ano comum, eles passam por 4 ou 5 anos como SHO ou posições semelhantes até chegarem a internos da especialidade. E aí são mais 6 anos pelo menos. Nunca mais refilo que 2015 ainda está longe... A Bum Team é genial (mesmo assim, sniff sniff saudadinhas do gang do HDE). São uns palhaços, mas só costumam trocar bocas e piadas quando ninguém está a ver - há que manter a aura de respeitabilidade. Em casa já desisiti de parecer uma pessoa séria, mas aqui ainda há uma pequena hipótese... Hoje quase conseguimos ir ao pub. Quase. A caminho dos cacifos avisaram que tinha chegado um paciente de estimação (um short gut) ao A&E. Portanto, adeus planos. Fica para a próxima semana.
Impressões hospitalares do dia (Warning! Conversa de médico):
- Eles mexem muito pouco nos doentes. E pedem demasiadas permissões. Por exemplo, para canalizar veias, é basicamente preciso um consentimento para cada picadela.
- Cortam os fios com bigodes demasiado grandes (a Madrinha fuzilava-os a todos)
- Não fazem excisão em bloco do sinus, mas sim curetagem do trajecto. Também não costumam fazer a depilação com laser. Não me convence, mas dou-lhes a desculpa de que tem muito pouca experiência (coitadinhos...).
Em relação à comida, continuo a sobrevier à base dos pré-feitos. A minha teoria é que se acredito que as embalagens de alface são frescas e limpas também posso acreditar que estas comidas são saudáveis. É o que diz na embalagem. E eles seguramente devem ter por aqui uma versão da ASAE que não lhes permite mentir nestas coisas.
Voltando à propaganda à Primark: porquê é que a lisboeta parece uma feira? Hoje comprei todo um enxoval por 50 libras, incluindo um edredão. Não me importo que se desfaçam em 3 meses. Não tenho espaço na mala para levar de volta.
Planos para amanhã: finalmente algum sightseeing. E se possível ver sol. Ou claridade. Por esta altura do campeonato já aceito qualquer coisa.