quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Just another bleep of the heart

 Dia 25. A população indígena já me reconhece como um deles. Fui convidada a participar nos rituais de alimentação e libação. Ainda não observei os rituais de acasalamento (thank God, são todos casados). Hoje foi-me atribuído um símbolo de pertença, numa cerimónia administrativa. Já tenho um bleep.

Another day, another NEC. Desta vez não tão má. E consegui até cortar uns fios. How the mighty have fallen... De momento cortar fios parece-me fabuloso. Não posso almejar a mais. Too many interns. Mas ao menos significa que estou responsability free durante os próximos meses... Confesso que já tinha saudades da sensação das luvas nas mãos...

 Hoje chegou novo doente com short bowel para avaliação. Entrei na engrenagem desde o início. A César o que é de César: esta malta sabe o que faz, sabe planear, sabe avaliar. E tiro o chapéu aos resultados.

 Uma vez em casa, boa surpresa. Flatmate promovido. Direito a convite para jantar (risotto de gambas e vegetais) e ida ao pub a seguir para festejar. Northern Quarter, the hip place to be. Prova de lagers. Jaipur, indiana, servida a temperatura ambiente (what the f#$%?). Samuel Adams, americana, mais fresca. E desistência, porque aparentemente sou uma menina e tenho andado a faltar aos treinos...

 Em casa, ida furtiva ao armário procurar um fix de açucar. Hoje fui ao supermercado, mas não encontrei doces de jeito. Passei de heroína a metadona e comprei chocolates. Kit Kat chunky de peanut butter. Sucks. Demasiado enjoativo. Oh millionaire shortake, I miss u so...


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

When the going gets tough, the tough get going

(Aviso aos não cirurgiões: parágrafo encriptado) Tomar decisões é duro. Decisões cirúrgicas ainda pior. São precisas gónadas. Abrir, constatar pan-necrose e fechar é de gente grande. Mas cada vez tenho mais a certeza que é uma decisão válida. Se eles fazem isto num dos maiores centros mundiais de short gut por alguma razão deve ser. Pouco não é o mesmo que nada.

Para animar a malta depois de um dia duro, happy hour no pub. Nenhuma idéia pré-concebida dos ingleses se aplica a este gang. São informais, divertidos, calorosos. Saí do pub com umas quantas pints e carnet de baile preenchido: festa de despedida no fim de Março, torneio de paintball e 2 jantares. Como acontece com todos os grupos de médicos, envolveu sincronizar agendas (ao menos não foi preciso o Doodle).  Excepto a minha. É tão bom não fazer bancos. E (perdoa-me VPV) sabe tão bem quando o alarme da agenda apita para me avisar que há banco no dia seguinte, mas não para mim... 


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Who wants to eat a billionaire?

Outro dia que começou a arrastar os pés... Noite mal dormida (desta vez com razão, culpa de 30 Rock). Injúrias dirigidas ao despertador. Outras dirigidas ao Universo ao ver a chuva a cair lá fora.  Mas com reunião multidisciplinar de Intestinal Failure às 08h chegar tarde não é uma opção. Aparentemente o Universo hoje estava em mode good guy e não em mode scumbag. A caminho do pequeno almoço vislumbre de hot flatmate a passear pela casa de toalha (já que não há gente seminua no The Cupboard ao menos que a minha casa seja um bocadinho Greyesca). A chuva parou no exacto momento que saí de casa. O café da entrada do hospital tinha leite de soja (café só consumível se disfarçado de latte, cappucino ou outra mariquice). Boas notícias na reunião: esta semana chegam mais 2 doentes com short gut para avaliação inicial, portanto vou poder acompanhar todo o trajecto. Convidada para mais um trabalho. Curry fabuloso na cantina do hospital (a sério, até a Drª RM aprovaria). Consulta da tarde a acabar mais cedo, e no momento exacto que parou de chover. Caminho para casa ao som de uma rádio que parecei uma playlist escolhida por mim (demasiado tecno-excluída para conseguir pôr música no tlm, mas não tanto que não tenha descoberto como funciona o rádio do mesmo). E 2 horas a matar a saudade cara a cara graças às novas tecnologias. A distância já não é o que era. Mais um dia destes e viro Pollyana (link para quem não cresceu no Brasil).

Random observations from the hospital:
- há uma série de gente no hospital que compensa o seu stern look de gente crescida com meias ridículas (à la Booth, para quem vê Bones). Uma vez que se repara, elas estão em todo o lado, nos pés menos esperados. Vi meias do PacMan, Bart Simpson, riscas à Tim Burton, gatos, renas, bolas, Super Man e Batman.
- outra coisa estranha que me estava a incomodar: onde andam os pós-operatórios? Até hoje não vi nenhum penso na consulta. Perguntei. Vão todos directamente para o GP e community nurse. A desculpa é que com a quantidade de filet mignon que têm (e é verdade, desde que cá estou já foram 5 atrésias do esófago, 4 atrésias intestinais e 2 malrotações, só na sala dos RN... Rabos já perdi a conta) não conseguem ver os pós-operatórios imediatos na consulta. Além disso, os doentes muitas vezes vêm de longe, blá blá blá. Discordo. Eles próprios admitem que o pior é a parte inicial, e que depois muitas vezes os doentes se queixam que passaram semanas sempre a recorrer ao GP. No entanto, o apoio que eles têm de enfermeiras, técnicos de saúde, etc, na comunidade é surreal. Até o psicólogo vai a casa...
- aqui publicam como se não houvesse amanhã. Todos os internos estão constantemente a escrever um artigo ou uma revisão ou qualquer coisa para um congresso. Há mesmo uma cultura disso. E matéria prima...
- existe um budget anual atribuído a cada interno para congressos e formações. No comments.
- os processos são uma coisa do demo. Nesse aspecto estamos a anos-luz. Não existe informação praticamente nenhuma informatizada. Tudo em papel. Dá vontade de gritar. Praticamente a única maneira de  encontrar de forma rápida a informação do doente é ir à parte da correspondência (depois de todo e qualquer contacto com o doente - consulta, cirurgia, exame - é ditada e redigida uma carta ao GP com a informação, ficando uma cópia no processo). O problema é encontrar as cartas no meio das montanhas de papel. As admnistrativas até têm carrinhos para transportar processos...

Momento estranho do dia: acho que já penso em inglês. Depois de anos a tentar perceber com que sotaque é que conduzia os meus diálogos interiores (brasileiro em casa e com família, português no trabalho, restante tempo depende), lá vem mais um factor de confusão. Dei por mim a fazer a lista mental do supermercado em inglês...

Por falar em supermercado: HELP! Preciso de uma intervention. Quando pensava que o millionaire shortcake era um bocadinho de céu, eis que aparece a billionaire cup...



segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

M&M

Hoje tive que assumir que estava demasiado frio para ir a pé para o trabalho. Com neve ainda é suportável, mas com chuva não dá. Nem com guarda chuva. Há sempre uma gotinha sacana que consegue encontrar o espaço quase virtual entre o casaco, cachecol e costas. Pequenas agulhas geladas. Acho que é desta que compro o passe...

Como de costume, 2ª feira é a manhã das reuniões. Última 2ª feira do mês means M&M, mortalidade e morbilidade. Os casos são decididos previamente, e o interno envolvido faz uma pequena apresentação. Todo o serviço está presente. Gostei da forma como os maus resultados são discutidos abertamente, sem acusações. Ninguém tenta esconder nada. Procura-se perceber o porquê, e se possível como evitar que aconteça outra vez. Possíveis implicações legais. Acima de tudo, não me pareceu que ninguém se sentisse acusado de nada. E os casos não são propriamente leves. Retornos ao bloco, uma morte. Coisas que só não acontecem a quem não opera, complicações expectáveis na maioria dos casos. Mas mesmo assim... Não sei se seria possível esta discussão, com esta calma, em terras lusitanas. Mas tenho pena, porque se aprende muito.

 Tarde passada na Short Gut Clinic. Comício: cirurgião, nutricionista, play therapist, 3 estudantes de medicina e uma turista. Descobri maneiras que nunca tinha imaginado de perder tripa. E vi resultados muito bons. Agora só me falta descobrir como se chega lá. O papel do pediatra aqui é muito menor. O cirurgião é que toma as rédeas de tudo, da alimentação parentérica às vacinas. Mas convenhamos, este centro existe à volta da cirurgia. Não acho que funcionaria bem na realidade lusa. Nem gostaria. A César o que é de César.  Já temos trabalho suficiente.

Bem, gotta run. Yoga class.

E para aqueles que duvidavam:

domingo, 27 de janeiro de 2013

On the road



 No autocarro de volta. Não é tão glamouroso como o comboio, mas é significativamente mais barato. Para não variar, momento vintage Lee: ao olhar para o bilhete mesmo antes de entrar no autocarro apercebi-me que comprei bilhete para o dia errado. Para ontem, para ser mais exacta. F#%$. Fiz o meu ar mais inocente e confiei na sorte. Funcionou. O motorista não notou. E não havia lugares marcados. E o autocarro não estava cheio. Um dia destes ainda me torno numa daquelas pessoas "copo meio cheio".

 Dia calminho. Alvorada ridiculamente cedo. Começo a acreditar que já não sei dormir. Vou tentar fazer um banco esta semana para ver se melhora. Manhã passada na moleza. Tempo para tanta coisa que até estudei um bocadinho. Depois do almoço, momento cultural do dia - Tate Modern. Uma constatação: o museu parece um centro comercial. Não pelas lojas, mas pela quantidade insuportável de gente, incluindo crianças de todas as idades. Citando o meu anfitrião, odeio pessoas. Compreendo perfeitamente que é de um egoísmo extremo e de um certo pedantismo, mas não dá para apreciar o museu quando se tem um feeling de Continente do Colombo no domingo à tarde em época de saldos. Admito ter um bocadinho de vergonha do que acabei de escrever... Mas é verdade. Sou totalmente a favor da política de museus à borla que eles têm aqui. Aliás, acho o máximo que o museu seja the place to go no fim de semana. Podiam era ir a outro museu onde eu não estivesse...

Dissection and drinks

 London, London... É tão bom estar aqui e não sentir pressão de ser turista. Viagem de comboio super rápida e agradável. Reencontro com elemento da família Erasmus. Mal tive tempo de pousar a mala, pub. Eating is cheating. Quando chegou a hora de jantar já não valia a pena. Acabei a noite a beber um cocktail servido num aquário apoiado em 4 gnomos de jardim com óculos de sol. Eu sei que isto soa a ácidos, mas é verdade. Há evidência fotográfica. A sorte é que a noite aqui acaba cedo. Às duas já na caminha.

 Deitar cedo e cedo erguer. Viva a insónia. E o refluxo... Ovos benedict num restaurante super trendy. Uma em cada 3 pessoas era um hipster com gorrinho de lã e óculos de massa. Mas a comida era boa, e o local muito agradável. Seguiu-se o momento cultural. Descobri uma exposição fabulosa no Museum of London: "Doctors, dissection and ressurection men". Sobre o ensino de cirurgia no século XIX, dissecção e fornecimento de corpos. Adorei. E também gostei muito do resto do museu. Não conhecia. O meu pobre anfitrião é que acaba sempre no meio de gore médico-cirúrgico quando eu venho visitar... Da última vez foi a Wellcome Collection... Fim da tarde passado no sofá, a ver um filme e comer chocolates.

 À noite, nova maratona. Jantar no Soho ( desta vez não me enganam, é preciso um estômago cheio para acompanhar os ingleses). Boa companhia. Conversa divertida. Plano seguinte: karaoke bar. Versão fancy. O sítio inicialmente é um bocadinho assustador. Um corredor cheio de portas. Um bar vazio. Depois é que percebi como é que isto funciona. Não é um bar de karaoke. São salas privadas. Só faltavam os empresários japoneses. Portanto, é quase como o singstar, mas sem chatiar os vizinhos e com alguém a preparar as bebidas. Muito, muito bom. Had a blast. Com a vantagem acrescida de ser a 10 min a pé de casa.

Hoje na dúvida acerca do que fazer. Cultura ou café. Sem stress. Daqui a umas semanas há mais.

sábado, 26 de janeiro de 2013

London calling (25/01/13)

  Recapitulando o dia de ontem, uma vez que não tive condições de o fazer ao chegar a casa. These english gals sure can drink...

 Mais uma noite de insónias. O meu organismo recusa-se a dormir. Deve ser algum tipo de síndrome de privação de bancos. Despertador tocou às 06:50. Auch. Resolvi tentar o destino e fazer um snooze. Estando tão pouco habituada a isso acabei por desligar sem querer o despertador. Acordei sobressaltada, ao som de um techno dance muito agressivo, e o meu primeiro pensamento foi "F€&#, dormi o dia inteiro e a Canal Street já está a bombar!" Afinal não. Eram só nove da manhã. Descobri a origem da música quando saí de casa. Ao que parece tenho um ginásio no r/c do prédio, que começa o dia com uma aula de step. Já percebo porque é que toda a gente madruga por aqui. Se quisessem ficar a dormir também não conseguiam com o puntz puntz puntz.

 Cheguei tarde e a más horas, mas ninguém se apercebeu. Vantagens de ter duas salas a funcionar em dois pólos opostos do bloco. Reimplantação uretral bilateral. Aqui uma cirurgia realmente pode ter 4 cirurgiões principais. um abre, outro disseca, um terceiro reimplanta, e o quarto fecha. Para os seniores uma grande vantagem, não fazem a parte aborrecida. Para o interno em fase média nem por isso, porque quer fazer tudo. Para o mais novo uma alegria, porque ao menos faz alguma coisa. Assim toda a gente brinca um bocadinho. Último dia na Weeweeland. Programa científico para a tarde: reunião com Anatomia Patológica e Teaching. Discussão muito interessante sobre DSD (ok, para a malta não cirpediana, hermafroditas e afins), aparentemente um dos interesses especiais do Serviço. Sempre que ouço falar sobre este assunto lembro-me de duas coisas. Do livro Middlesex (Jeffrey Eugenides, recomendo). E de uma conversa que tive provavelmente no ano a seguir a acabar o liceu sobre a história de uma mulher que tinha ido ao médico por um problema de infertilidade e descoberto que era na realidade 46XY com  testículos intra-abdominais. Andamos uma série de tempo a pensar no assunto e como seria possível. Mentes científicas no seu melhor, mas com alguma falta de fundamento endócrino-embriológico. Dida, agora já sei! Outra coisa. Cool guys don't look at explosions, cool surgeons don't look at mri and ct images. Grande parte das vezes vão só direitos ao relatório. Acho mal. Posso não perceber metade do que vejo, mas sempre se vai aprendendo alguma coisa.

 À noite, primeira borga a sério. Girls night out com as meninas do hospital. Perguntei se podia ir de calças de ganga. Disseram que sim. Ja tinha saudades. Elas no entanto aperaltam-se todas para sair. Todas de vestido e salto alto. Noite very Sex and the City. Jantar num restaurante cubano, posh mas não muito, com direito a várias rodadas de mojitos. They work hard, they party harder. Tive alguma dificuldade em acompanhar, e a determinada altura siplesmente desisiti. Do restaurante fomos para um bar, dançar até às duas da manhã. Eu sei que parece pouco, mas isto é gente que se levanta às cinco da manhã. Excepto hoje. Aliás, a motivação para a saída foi o facto de hoje ser dia de Audits,que eu ainda não percebi muito bem o que é, mas envolve várias reuniões e interupção da actividade normal, tipo bloco e consulta. Resumindo: folga. Adorei a noite. Senti-me realmente one of them. Com dois meses de distância já estou com pena de ir embora.

 Agora a caminho de Londres, de comboio. Viva o ipad. Para além de todas as outras vantagens, a minha casa fica a 5 minutos da estação de comboios. Score. Os ingleses são realmente supercivilizados. Eu estou na Quiet coach. Onde não são permitidas crianças, nem falar ao telemóvel. Quiet, portanto. Adoro. Ao meu lado está um senhor que, acreditando nos desenhos que está a fazer, e nos papéis que tem ao lado, desenha ténis para a Adidas. Modelo ultra retro cool. Quero um. Se tiver coragem de infringir a regra do silêncio pergunto quando vão ser fabricados. Mal saímos de Manchester a paisagem muda para english countryside. Campos, casinhas e neve. Muita neve. Paisagem de cartão postal. Os locals não conseguem perceber o meu fascínio pela neve. Perguntaram várias vezes se nunca tinha visto neve. Sim, já. Mas nunca vivi com neve. Continuo à espera de um nevão à seria para poder ir para o parque atrás da minha casa fazer snowangels...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Hasta la victoria sempre!

Girls' night out with the locals. Had a blast. And maybe one or two too many mojitos. Amanhã conto.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Cupcake cup

O dia hoje não começou de uma forma brilhante. Uma combinação de SPM + privação de sono + saudades de casa + pouca vontade de trabalhar. Foi difícil sair da cama. Principalmente por causa do diabinho que me sussurava "Fica sossegada e quentinha, ninguém vai dar pela tua falta....". Mas resolvi que precisava de um bocadinho de character building, portanto qual borboleta eclodi do meu casulo. Para ser devorada por um lagarto. Entornei chá. Queimei as torradas. Acabou a água quente no banho. Demorei 20 minutos a encontrar as chaves de casa. Universo, screw you.

Aos poucos o dia foi melhorando. A manhã não estava fria, e até havia uma discretíssima sugestão de sol. Afinal não era dia de consulta, mas sim de bloco. Fui convidada para participar num trabalho que provavelmente irá resultar num artigo. Consegui bilhetes de comboio para Londres muito mais baratos do que tinha visto na semana passada. Por acaso encontrei-me com uma das internas mais porreiras a sair do hospital e acabamos por jantar juntas num asiático onde comi um pad thai fabuloso acompanhado de uma Tiger bem fresquinha. E fui convidada para uma girls night out amanhã. Universo, estás perdoado.


Relativamente ao hospital. Já me sinto um deles. Já tenho uma caneca para beber café instantâneo. Fica na prateleira do The Cupboard. Agora só me falta um bleep.

Conversa de bisturi: as EHP aqui são todas feitas por incisão circumbilical. Aliás, ficaram chocados com a idéia de uma abordagem QSD. E não sei como é possível, mas têm uma batelada delas. Hoje foi a 6ª desde que cá estou. E a primeira que finalmente consegui assistir. Não pode ser difícil. Foi operada por uma interna do 1º ano assistida pelo equivalente de um IAC. Só. O assistente estava no Serviço, a ler o jornal. Correu lindamente. Não acreditaram quando expliquei que em terras lusitanas tudo o que seja acima drenagem de abcesso (e mesmo assim depende de onde é o abcesso) só é feito com um especialista na sala... Hoje mais  um Bracka, 2º tempo. Outra vez equipa da ONU. Conversa interessante com o colega de Lausanne. Hospital gigante, com budget superior ao de muitas nações, atendimento aos pais à la Emirates Airlines (quartos privados, serviço de refeições com vários menus, psicólogo de serviço 24h...). Senti-me muito terceiromundista.

A situação com as sobremesas do Marks & Spencer está cada vez mais grave. Agora descobri o caramel shortbread cake...

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Pub crawl!

 Uneventful day at the hospital. Reunião multidisciplinar de Instestinal Failure logo às 8,seguida de um dia inteiro de consultas. Conversa muito interessante com um dos assistentes sobre o Mr Bianchi e a sua influência no modo de pensar do serviço. Independentemente da replicabilidade das suas idéias, o homem desenvolveu técnicas para tudo e mais alguma coisa. Não me admirava se existissem ovos a la Bianchi. E se por um lado criou um serviço à sua medida, onde a maior parte das coisas são feitas à sua maneira, também criou um serviço em que as pessoas são encorajadas a pensar naquilo que fazem e a encontrar novas formas de o fazer. Há por aqui muita coisa feita à moda de Manchester. Estas duas noções parecem contraditórias, mas na realidade acaba por funcionar bem.

 Momento alto do dia: finalmente fui ao pub! Quase consigo ouvir as exclamações de espanto. Como é possível? Em solo britânico há 3 semanas? Estará a nossa intrépida interna curada da sua potomania da cerveja? Não. Só ainda não tinha encontrado companhia ( e ainda não percebi se posso ou não ir sozinha para o pub... provavelmente aqui na Gay Village não há stress). Hoje reclamei com os meus hosts no hospital, que se aperceberam do grave faux pas que haviam cometido e tomaram providencias para resolver a situação com a maior brevidade possível. Ou seja, hoje assim que acabou o bloco. Devo dizer que cometi eu própria um faux pas no pub. Pedi uma cerveja alemã. Não me apetecia sumo de pão. Só tive direito a uns olhares de esguelha, mas depois os italianos seguiram o meu exemplo e pareceria xenofobia levar a mal. Muito divertido. Gosto do convívio fora de portas. Vou promover mais happy hours. E procurar um bar com gins.

 Neste pequeno momento de convívio falaram-me de um pequeno paraíso kitsch (ou "vintage british trashy",  em palavras deles), chamado Blackpool, a 80 km de Manchester. Alguns dos selling points:
- uma réplica da Torre Eiffel chamada Blackpool Tower, que tem na base o famoso Tower Ballroom, um salão de baile totalmente rococó onde há velhinhos a dançar
- Pleasure Beach, um parque diversões com várias montanhas russas, uma das quais reteve o título de mais rápida do mundo entre 1994 e 96, e da Europa até 2002

- The Promenade, um passeio à beira mar com direito a pontões, circo e roda gigante
- a obrigatoriedade de usar um chapéu foleiro com a frase "Kiss me quick Squeeze me slow"
- Funny Girls, cabaret onde travestis encenam "Música no Coração"
-a melhor loja de fish and chips do país
- uma noite altamente decadente e regadissíma a álcool
Estou a organizar o tour. Any takers?


Your moment of Zen:

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Chocolate is a girl's best friend

Nova semana. Mesmo tempo. Conhecimento e experiência fazem toda a diferença. Truque "Working girl" (hint hint Melanie Griffith e cabelo à anos 80): sair de casa com equipamento para sobreviver ao holocasto glaciar e levar na mochila a roupinha pipoca para trabalhar. O look burka realmente tem o que se lhe diga. As sabrinas já não saem do cacifo. Ainda me lembro do que gozei com a malta que trabalha na City em Londres, por aparecerem no pub de ténis, com os sapatos e a gravata na mochila. Pois é, eu levo mesmo uma muda de roupa completa. Agora que o frio já não é uma preocupação, cada vez gosto mais do meu commute matinal. Gosto de ver o dia amanhecer. Gosto do frio. E gosto da neve, por muito que seja uma camada mínima, antes de se transformar em lama.


Manhã altamente produtiva. Não é só na minha chafarica lisboeta que o bloco só começa a meio da manhã. Quando a vida nos dá limões há que pedir limas e fazer caipirinha. Enquanto esperava que preparassem a extrofia da bexiga (quem não sabe o que é, a sério, não procurem; e se não resistirem à curisidade aqui fica o disclaimer, a culpa não é minha), que demorou 3 horas, consegui ir à passagem de turno, à reunião com a Radiologia e à sessão de Teaching. (ALERT ALERT SURGEON TALK) Hoje apresentaram um estudo feito em conjunto pelos internos de todos o centros de Cir Ped do Reino Unido (são 19) sobre apendicites. Basicamente uma auditoria a dois meses de trabalho. Bela colaboração. Os dados são centralizados, e só é fornecido a cada centro o seu nº nos resultados. Uma cena assim meio censurada. Devo dizer que não fiquei muito impressionada. O centro com mais apendicites (não sabemos qual é) tem 20 apendicites em 2 meses. Meninos... E enquanto alguns tem 100% de laparoscopia, outros têm zero. Manchester tem 15%. Portanto não estamos nada mal. Relativamente às complicações, tenho a sensação não confirmada em números concretos que eles têm mais complicações do que nós. Seguramente mais anastomotic leaks. Às vezes back home questionamos a tradição cirúrgica, mas em determinados casos a tradição ainda é o que era. Proteger uma anastomose com uns dias de jejum cada vez mais me parece boa idéia. Se calhar não é preciso deixar os RN a passarem fome durante semanas, mas alimentar uma atrésia duodenal operada sem sonda transanastomótica em D1é claramente um exagero ( e ainda estou para perceber como convenceram os neonatologistas de cá a faze-lo...).
Voltando à extrofia, tudo o que tenho a dizer é que nestas 2 semanas com a malta do xixi só vi uma cripto, mas 3 extrofias. Hoje tive outra vez o privilégio de estar no bloco com gente pedagógica ( e italiana, portanto não só dá para aprender como para rir). Outra novidade (embora deva confessar que a maioria do que vejo na Weeweeland é novidade): não operam as extrofias em RN. Deixam-nas crescer até aos 4, 5 meses. Tapando o buraco com gaze gorda e tegaderm. Resultados igualmente bons. Com tantos casos eu acredito. OK, no more dirty surgeon talk.

Continuando o meu plano megalomaníaco de dominar o mundo e ter tempo de fazer tudo, saí a correr do hospital directamente para a aula de yoga. Os quase 3 km não serviram de aquecimento. Continuo a adorar o sotaque da professora. Fim da aula, relaxamento, deitados no chão, luz apagada, música new age suave, professora a dar indicações sobre respiração. Como é óbvio, não resisti nem 30 segundos até apagar. O jovem ao meu lado, muito simpático, mas com um físico de Moby Dick,  não só adormeceu como quase me matou de susto ao acordar-me (e ao resto da turma, pelos outros gritinhos assustados) com o seu ressonar de trovão. Eu ao menos só babo...


Em casa, recompensa pelos meus esforços. Tarte de chocolate do Marks&Spencer. Base crocante, recheio com consistência semelhante a mousse e cobertura tipo brigadeiro. Estou a desenvolver um sério problema de dependência. Vou ter que encontrar um dealer ou metadona quando voltar...






Your moment of Zen:

Weekend Update (sadly, without Seth Meyers)


Fim de semana. Relógio biológico filho da p$%&. Acordadíssima às 07h... Chocolate quente + cobertor + livro hilariante = madrugada bem aproveitada. Apesar do tempo cinzento, resolvi enfrentar o frio ao fim da manhã. Idéia inicial: walking tour "Music in Manchester" (para depois poder impressionar visitantes melómanos, caso apareçam). Cheguei entusiasmada e gelada ao ponto de encontro. Só para descobrir que vi a data errada no folheto (duuuhhhh tecla 3....). Recalculando: Manchester Art Gallery, a 2 passos de distância e supostamente com uma temperatura deveras agradável. Melhor idéia de sempre. Exposição genial chamada The first cut. Papel e bisturi. Como poderia não gostar da combinação de duas das coisas que mais gosto?  Só faltava oferecerem chocolates à entrada...  Pela primeira vez na minha vida comprei o catálogo de uma exposição. E continuando na onda de acasos agradáveis, quando estava a caminho da porta anunciaram que 3 dos artistas participantes iriam fazer uma visita guiada pelo exposição. De borla. Voltei atrás. Adorei. Totalmente anti-artsy fartsy. Um belo passeio pelo processo criativo. Gostei particularmente da discussão das lesões sofridas em nome da arte (nem toda gente está habituada a manipular objectos cortantes...). No fim, belissíma tarde passada no museu. E quentinha.


À noite, mais um programa com o meu flatmate e namorada. Jantar gourmet (bruschetta de pancetta com cogumelos porcini, para quem quiser saber) seguido de housewarming party. A minha estadia em MCR está a ser especialmente LGBT-friendly... Festa maioritariamente gay, dos 18 ao 60. Fabulosa. Cocktails em copos decorados. Boa comida. Boa conversa. Muita animação. E o ponto alto: abrir a pista da sala ao som de Madonna. Como disse uma amiga minha, like a surgeon a dançar ao som de Like a virgin. Muito muito bom.  Mas o problema das festas que começam cedo (20h) é que também acabam cedo... Voltamos por volta da uma. Ao chegar a casa a Canal Street ainda bombava, mas depois daquela festa qualquer show de travestis só podia ser uma desilusão...

Dia seguinte, mesmo drama. Vá lá, ao menos foi às oito. Aproveitei para ser um elemento útil do meu household, e encarnei a faxineira. Arrumei o quarto, a cozinha, fiz máquina de louça e roupa. Só serviu para reforçar a minha certeza que nasci para princesa. Como recompensa, brunch caseiro. Nova tentativa de descobrir mais sobre a cidade, desta vez confirmando em 4 locais diferentes a data e hora da "Discover Manchester Walk". Valeu a pena enfrentar os -6º. A cidade é realmente fabulosa. E como só apareceram mais 2 malucos insensíveis ao frio ( em mode facebook, mais preocupados com a pose para a foto) , foi basicamente um private tour. Já fiz reserva para a próxima: "Manchester Underground".



Para terminar em beleza um fim de semana muito ocupado, ida ao cinema com o flatmate (que além de simpático, divertido e bom cozinheiro, é tão movie buff quanto eu). Django unchained. Dez libras muito bem gastas. Todo e qualquer filme que tenha o Samuel L. Jackson a dizer "motherfucker" é um bom filme para mim. Nem precisava de boas personagens, ou diálogo bem escrito, ou banda sonora brutal. Mas o facto de ter tudo isso só contribui para a sua awesomeness...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Friday night lights

Um dia vou poder com propriedade aborrecer de morte a geração mais nova, acusando-os de serem uns pirralhos mimados, porque eu, no meu tempo, percorria 2,25km a pé, com neve a cair, para ir e para voltar do trabalho. Eu sou assim, hard core. Apesar do alarmismo nacional, por aqui só tivemos direito a neve fininha, que mal cobre o chão. Citando Calvin: "Getting an inch of snow is like winning 10 cents in the lottery".     Mesmo assim, os planos de escapar até Londres este fim de semana foram adiados. A perspectiva de transformar 5 horas de autocarro em 10 não me estava a agradar muito...

No hospital, mais um dia de bloco. Uma manhã desesperante, numa laparoscopia em que só me apetecia gritar "Converte essa m#$%&!", mas que acabou por correr bem, embora a passo de caracol. À tarde, só um doente (aqui também há cancelamentos à porta do bloco. Yupi, não somos os únicos). E agora começa a conversa de cortar criancinhas... Laparoscopia diagnóstica, testículo vazio unilateral. Tintim muito bonitinho, mesmo à entrada do orifício inguinal, bastante móvel. Então o que é que se faz? Dissecção das aderências peritoneais até tintim móvel e (agora é que vem a parte gira!) introdução do trocar através do orifício inguinal até ao escroto, incisão no escroto, introdução de pinça recta no trocar e passagem desta até à cavidade peritoneal, onde agarra o tintim sob visão directa e puxa até ao escroto. Nunca tinha visto. Funciona a longo prazo? Não sei. A consultant de hoje não estava num mode muito pedagógico. Mas não deixa de ser interessante.

Almoço no Cupboard. Quando crescer também quero ter um. Conversa animada, cirúrgica e não só. Todos são atletas. Um participa em triatlos. Dois vão atravessar a Nova Zelândia a pé em Dezembro. Outros 3 correm. Não percebo de onde vem o tempo e a energia. Mas estou a tentar aprender. Aqui até tem sido fácil. Vamos ver se consigo ter a mesma qualidade de vida quando voltar (hahahahaha, já que estou a sonhar também quero um pónei e 100 amigos).  

Outra conclusão hospitalar: eles não agarram tanto os doentes como nós. Os doentes internados são vistos por quem está "de enfermaria", independentemente das equipas. Não há propriamente o "meu" doente. Acho que é também uma maneira de criarem distância. Mas na minha opinião o controle de qualidade não é tão bom. 

Outra coisa interessante: tinha a idéia de que os ingleses eram muito formais. No convívio hospitalar aproximam-se quase mais dos espanhóis do que de nós. Exceptuando very senior consultants, tratam-se todos pelo primeiro nome, médicos, administrativos, enfermeiros. E até os pais dos doentes de estimação. Hoje achei estranhíssimo a mãe de um doente (extrofia da bexiga, com muitas frequent flyer miles) tratar o médico assistente do miúdo pelo nome próprio. Não acho mal, só não estou habituada. Além disso, adoro o facto dos cirurgiões serem Misters e Misses e não Doctors. Tanta piada por explorar...


Fim da tarde, ida ao supermercado. Com fome, má idéia. A hipoglicémia deve ter causado alucinações e ilusões de grandeza, porque de repente acreditei que sabia cozinhar. E saltei da parte dos pré-feitos para os poucos que há por fazer. Ao invés de ser uma menina inteligente e comprar um dos milhentos pratos tailandeses e chineses prontos a consumir, achei que bom bom era fazer uma massa chinesa com vegetais. Tudo fresco. Não percebo porque. O frio também deve ter contribuído para o curto-circuito. O resultado até estava bonito. Mas intragável. O que vale é que a sobremesa foi uma banheira de chocolate quente da Cadbury's. Acompanhada de neve e frio lá fora, enquanto me aninhava no sofá em frente à salamandra... Eu sei, não é propriamente um programa glamouroso para sexta feira à noite. Mas é o final ideal para uma semana trabalhosa e fria. E tenho a certeza que as pessoas que vejo da minha janela, em frente aos bares, estão na realidade a morrer de inveja de mim.  De qualquer forma, amanhã há vida social. Museu de manhã e house warming party à noite. Com este frio, tudo o que tenha warming no nome me parece uma idéia fantástica...


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Sleepy in Manchester

I am a morning person. Mas ando a descobrir que sou uma morning person até determinado ponto. Os primeiros dias a acordar às 06:50 foram bem tolerados. No início da semana já precisei de um café a meio da tarde ( e quando digo precisei é mesmo precisar, porque a pagar 1,80£ por um café tipo água de lavar pratos só mesmo em caso de necessidade). No dia seguinte foram 2. Ontem, qual drogado a trocar heroína por metadona, passei para o café instantâneo que está disponível nas salas de pausa do bloco (sim, salas, porque são duas) para poder manter o vício de 3 chávenas por dia... A degradação matinal tem sido progressiva mas galopante. Hoje de manhã os neurónios se recusaram a colaborar antes de chegar ao hospital. Primeiro sinal: esqueci-me das luvas em casa. Segundo sinal: não me pareceu boa idéia voltar atrás para buscá-las. Basta dizer que só voltei a sentir os dedos por volta da hora do almoço...

 Mais um dia na Weeweeland. Another day, another Bracka. Outra vez numa sala multinacional: anestesista pakistanês, cirurgiã indiana, assistente húngaro, segundo assistente argentino, turista luso-brasileira. Várias cirurgia depois, um momento totalmente genial. Os fatos de protecção de chumbo daqui são um mimo, todos coloridos, com bonecos e florzinhas. Hoje um dos procedimentos envolvia controle fluoroscópico. Eis que entra o senhor técnico da radiologia. Imaginem um Hell's Angel, cheio de piercings, tattoos, barba pontiaguda e rabo de cavalo, a real badass. Com um avental decorado com florzinhas cor de rosa, num fundo rosa choque... Ainda tentei sacar uma foto, mas não consegui fazê-lo de forma discreta, e tive medo de ser apanhada...
 
À tarde observei uma verdadeira entrada a pé juntos entre os internos. Cirurgia roubada à grande. A concorrência aqui é tramada.O ambiente é porreiro, eles até se dão bem, mas como os próprios dizem, the elbows are out. Tive saudades do gang do HDE. E um certo receio do futuro inter-internos.

Cada vez mais gosto do hospital. Acho que estruturalmente está bem pensado. Muitas janelas. Desafogado. Pátios. Exageram um bocadinho na intenção de tornar o hospital child-friendly. As paredes de alguns serviços como a Radiologia estão tão saturadas de bonecos e desenhos que seguramente já devem ter desencadeado ataques epilépticos...

 Os dias aqui parecem durar mais. Ou eu tenho menos que fazer. Mesmo trabalhando 10h por dia tenho tempo para estudar, para ler, para passear, para matar saudades via net. Nessa onda overachiever achei que também podia aproveitar para retomar a rotina do yoga em casa, já que até voltei às aulas. E  consegui. Mas num quarto com 2x2 m2 não foi fácil. Há um skecth do The State com o very self explanatory título de "The Nutcracker in a tiny tiny room" (infelizmente não encontro o vídeo...). Foi mais ou menos a mesma coisa. 

 Em conversa com a malta de casa surgiu o assunto "temperatura actual em Lisboa". Fui ver: 15ºC. Aqui tão -2ºC. Melhor do que isso só Miami...

 Your moment of Zen:


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Humpty Dumpty was a big fat egg

Mais um dia a acordar antes das galinhas. Novo recorde pessoal: 17 min até ao hospital (nada como uma boa combinação de frio com vergonha de chegar atrasada). Hoje tive direito a um vislumbre de luz do dia antes de entrar no hospital. Pink sunrises são uma novidade...
D3 com a malta dos xixis. Dia inteiro de bloco. Cistoscopias de manhã, com direito a (Attention! Attention! Detalhes médicos nojentos!) a uma cloaca deveras complicada, com uma anatomia interna que parecia um labirinto de cavernas. Dois urologistas , um cirurgião da Bum Team e 50 min depois, lá se ficou com alguma idéia. Muito giro (quer dizer, para mim, não para a doente...). Reunião multidiscplinar marcada para discutir o caso na próxima semana. Com sorte operam enquanto ainda cá estiver. À tarde, hipospadias escrotal (quem não sabe o que é aconselho a não procurar...). O consultant com quem fiquei hoje é também é um gentleman. Muito simpático, muito didático, educadissímo. Indiano. Sotaque perfeitamente delicioso. E um artista. Apesar de normalmente não ficar muito entusiasmada com este tipo de cirurgia devo dizer que fiquei impressionada com a técnica e resultado final.
Desde que cá cheguei que algo me incomodava no bloco. Finalmente apercebi-me do que é: o silêncio. Ninguém grita. Ninguém bate com as portas. Toda a comunicação é feita num tom de voz pouco acima do sussuro. Espero não ficar mal habituada.
Hoje também foi o dia do meu primeiro puxão de orelhas por parte da enfermeira chefe do bloco. Até me aguentei bem. A minha companheira de caminhada matinal italiana chegou menos bem preparada, e levou uma rebocada na 1ª semana da Matron da enfermaria de cirurgia porque "wearing jeans to work is disrespectful to the patients". Para gente com noções tão permissivas de assépsia não percebo o porquê de um sermão só por ter saído da sala de bata vestida, que na realidade estava só a servir de casaco. Foram 2 metros no corredor do bloco, onde diga-se de passagem a malta passeia com roupa da rua. Blá blá blá, quem é que eu era, em que sala estava, quem me tinha dado a bata, o hospital podia incorrer em multas por não conformidade com os critérios da comissão de controle de infecção. Isto vindo de gente que opera sem máscara... Enfim.
Uma vez em casa, nova aventura. Cansada de salada, sandes e cereais, resolvi experimentar algo mais desafiante na cozinha. Mais arriscado. Como ovos cozidos. Após consultar 3 sites diferentes para chegar a uma média do tempo de cozedura e confirmar o método, passei da teoria à prática. E vinte minutos depois, este foi o resultado. Se tivesse feito de propósito não conseguia. Vou só assumir a derrota e voltar à comida pré-feita.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

ALeece's adventures in Weeweeland

O frio continua. Mas aparentemente é psicológico. Hoje de manhã ao sair às sete e meia da matina, com a amena temperatura de -2ºC, cruzei-me com uma jovem com ar desportivo, provavelmente a caminho do ginásio, envergando apenas uns calçõezinhos e soquettes, com as pernas ao léu. Aparentemente a insensibilidade térmica das inglesas não está só ligada ao álcool. Ou está, mas esta jovem disfarçava bem.
D2 em Weeweeland. Consulta. O dia inteiro. A minha ilusão de que os doentes são marcados com meia hora de intervalo foi totalmente destruída, levada para trás de um celeiro e abatida com tiro na cabeça. Marcações de 15 em 15 min, com double e muitas vezes triple booking para o mesmo horário. Portanto, das 09H às 16H (almoço a correr sem direito a pausa nas marcações), qualquer coisa como quase 60 doentes. Se tiver que ver mais um hipospadias no futuro próximo grito. Apesar de tudo foi interessante. O consultant era um verdadeiro gentleman. Excepto no que diz respeito a futebol (fã ferrenho do Man City). Só a meio da manhã é que percebi porque é que eram sempre os pais e não as mães a acompanhar os miúdos na consulta... E há malta com piada: vieram pelo menos 4 miúdos com o uniforme completo do Man United... O que leva outra vez à conversa do frio: nenhuma mãe latina em condições permitiria que a sua prole andasse a passear em calções neste tempo. Aqui não só a criançada anda de manga curta como vi mães de sabrinas sem meias e até uma de havaianas...
Saída do hospital às 5. Peregrinação por vários supermercados à procura do meu lactose free milk (obrigado J-J pelas dicas), mas sem sorte. No entando consegui encontrar brownies, milky way bars e millionaire shortcake... Fim da tarde passado no sofá, em frente à salamandra, a ler comics, acompanhado de cházinho e doces. Life is good. Começo a sentir-me culpada por esta constante sensação de "férias". Mas o sentimento passa ao fim de uns minutinhos...

Your moment of Zen:

Home is where my toothbrush is

Estive a fazer a lista outra vez hoje. Afinal esta é a 21º mudança. Com toda esta prática, não é de estranhar de o processo de adaptação a uma nova casa seja quase instantâneo. Entre bancos e mudanças, concluí que casa é onde está a minha escova de dentes. Seja por uns dias ou uma larga temporada. Adaptar-me à rotina da casa e às pessoas também tem sido fácil. O toque de alvorada é cedissímo: o primeiro a acordar salta da cama às 6. Às 7 da matina já é hora de ponta. Mais uma nova rotina: ir a pé para o trabalho. Vinte e cinco minutos. Com um passo rápido nem se sente o frio. Apesar da ameaça de ontem, não vejo neve nas ruas. Mas procurando ainda se encontram alguns vestígíos. Anunciaram hoje uma onda de frio e neve para as terras de Sua Majestade; contudo, se acreditar no site da BBC até vai estar sol em MCR esta semana. E viva o aquecimento global...
Hand over às 08h. Segunda feira é a manhã das reuniões. Às 09h com a Radiologia, para rever imagens interessantes ou duvidosas. E aproveitar para cravar exames. Aqui são tão mais chatos. Uma ecografia demora 3 dias. Se não se recusarem a fazê-la. Trânsito GI no mínimo uma semana. É bom ver que alguams coisas são melhores em casa. Em seguida, momento educativo de convívio: a sessão de Teaching.  Começa com uma visita de estudo ao café, envolvendo internos e especialistas, com imensos pedidos de café mariquinhas (e um espresso duplo horrível para mim). Propriamente abastecidos, começa a reunião. A idéia é muito simples: discussão de um tema ou caso clínico, moderada por um dos especialistas ou internos mais velhos. Não envolve apresentações nem grandes preparações. Índole prática. Hoje discutiu-se (aviso aos navegantes, conversa de cortar criancinhas) atrésia duodenal. Qual é a incisão que usam, e porquê. Há quem seja apologista da abordagem umbilical, outros RUQ. Tubo transanastomótico sim ou não. Complicações intra-op, como resolver. Onde dar os pontos. Com que cuidados. Alimentação precoce? Aqui conseguem convencer os neonatologistas a dar comidinha em D1 pós-op. Aliás, o primary physician é o cirurgião, eles só dão apoio. Este tipo de discussão é particularmente interessante porque todos passam por vários hospitais ao longo da formação, e tem diferentes modos de operar. Penso que no HDE seria mais fácil chegar a consenso...
Depois do almoço mudei de ares e sistema e fui hang out com a malta do xixi. Também são muito simpáticos. O departamento de urologia ped é bastante conhecido (é 1 dos 2 centros que acompanham e operam extrofias da bexiga no UK). Atrai bastantes visitantes. Hoje à tarde no bloco parecia uma reunião da ONU: cirugião italiano, assistente suiço,outra assistente irlandesa, instrumentista maltesa, anestesista indiana e 1 turista luso-brasileira. O único british from britain era o auxiliar... A cirurgia foi interessante, com direito a explicação play by play pelo cirurgião. Muito didático. Mas continuo a gostar mais de tripa cagueira.
Para não variar, saída do hospital às 18h. Ao menos não estava a chover. Mais 25 min até casa. Lanche rápido. Para seguir para a 1ª aula de yoga. Bastante diferente daquilo a que estou acostumada, mas gostei. É particularmente giro ouvir as explicações com sotaque mancuniano: "so i put mi 'ands and me  feet at the same deestance". E deu para arejar as articulações.

Your moment of zen (rectangulo cor-de-rosa; mapa oficial do Manchester Visitor Information Centre; para os desavidados é o meu bairro):


domingo, 13 de janeiro de 2013

SmiLee's Sense of Snow

É oficial. Acabei esta manhã a minha 20ª mudança. Se a Cir Ped não me providenciar um futuro brilhante esqueço a Medicina e abro uma empresa de consultadoria de mudanças. Esta correu muito bem. E o profissionalismo já se nota: em 25 minutos o quarto estava arrumado. Também não tinha muitas hipótese: com 2x3 m2 não há muito a fazer. Portanto, resumindo: última noite no hotel, despertar às nove; último pequeno almoço de hotel; última revisão do quarto e rumo à casa nova. Ao meio dia field trip ao supermercado. Triste constatação: sou uma vergonha enquanto dona de casa. Horas a passear pelos corredores do supermercado a tentar lembrar-me do que é que eu normalmente tenho em casa. "Pensa, tu costumas ter comida em casa. O quê?". Ah pois é: comidinha da mamã (obrigado Moms). Há uns tempos que as idas ao supermercado só servem para abastecer o frigorífico de iogurtes e cerveja... Depois de algum esforço mental lá consegui encher 2 sacos de compras (aproveito para parabenizar os srs da Mimosa: ao que parece a inovação que é o leite sem lactose ainda não cruzou o canal da Mancha). Em minha defesa devo dizer que é difícil ir às compras em terras de Sua Majestade. É tudo enlatado ou pré-fabricado. Devo estar realmente a atingir a idade adulta: comida congelada já não tem o mesmo encanto...



Chegada à casa, almoço rápido, aproveitando a luz da sala. Novo tour da cidade com o meu flatmate, desta vez pela parte sul. Cada vez gosto mais da cidade. Red brick and glass. Industrial e cosy ao mesmo tempo. Início do passeio ainda com sol. Interrupção prematura por frio e neve. Bem, sleet, de acordo com os locals. Aquela neve fininha, que queima a pele e torna o chão escorregadio, mas não chega para cobrir o mundo de branco. Ainda bem que ontem aproveitei o sol. Novo plano: estrear o sofá e estudar um bocadinho (justificar a aqusição do ipad...). Como uma boa inglesa, com um chá para acompanhar. A sala é tão confortável que inspirou o estudo. Dois capítulos de embriologia e fisiologia renal de uma assentada (esta semana vou hang out com a malta do xixi). Primeira vez em muito tempo que o cansaço e a preguiça não vencem a (pouca) vontade de estudar. Não fazer bancos dá saúde e faz crescer. Por acaso já comentei que o meu flatmate não só é porreirissímo como bom guia como ex-chef? Pois é, há meninas com sorte (como por exemplo a namorada dele, que também jantou cá, antes que comecem os pensamentos maldosos). Belissímo risotto com cogumelos porcini e gambas. Boa comida, bom vinho, boa companhia. Bom domingo.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Fleeting sunshine of the not so spotless mind



Começo a acreditar que fiz algo de bom numa vida passada, ou mesmo nesta. Nestes últimos dias o Universo tem se portado muito bem comigo. Para além de um acolhimento muito simpático no hospital e uma casa brutal para viver, resolveu brindar-me hoje com um dia de sol. A sério, com direito a óculos de sol e tudo. Um dia perfeito. Em todos os aspectos. Acordar cedo, sem despertador. Pequeno almoço de hotel. E um dia lindo para passear. Logo à saída, um food market. Segundo pequeno almoço (tecnicamente, o fudge de chocolate foi a sobremesa do pequeno almoço...). Passeio pela Market Street e pequena incursão pela zona da catedral. Encontro com o landlord às 12.00 (e by 12.00 I mean 12.00) to sort stuff out. Outra vez, a sensação de que ganhei a loteria: ofereceu-se para me ajudar a fazer a mudança. A casa nova até fica bastante perto do hotel (5 min a pé), mas os meus 32kg e 5 volumes (não esquecendo uma roda estragada) estavam a prometer várias viagens. Graças ao gentleman, foi uma só. A casa é ainda melhor durante o dia. A combinação dos janelões da sala com um dia solarengo é linda. O meu quarto é pequenino, mas cabe tudo. Surpresa agradável nº2: segundo companheiro de casa igualmente porreiro. Muito boa onda. Ex-chef que gosta de cozinhar ao fim do dia para relaxar. Levou-me ao sítio onde se bebe o melhor "espresso" de Manchester (primeiro café decente em uma semana) e depois num walking tour de 3 horas à volta da cidade. Que é muito melhor do que imaginava. Uma combinação muito bem conseguida de velho e novo. O passado fabril ("Cottoncity") continua presente, as fábricas e armázens transformadas em condomínios. Pelo meio, prédios novos, modernos, altos. Cidade plana, com um centro concentrado, pequeno, tudo within walking distance. Adeus carro: a vida vai ser toda feita a pé. Apesar de se encontrarem um bocadinho amontoadas, as diferentes zonas da cidade se distinguem muito bem. Uma rua é Chinatown, a seguinte Gay Village (onde eu moro! We're here, we signed the contract, get used to it!). A zona comercial mainstream está separada da zona alternativa por uma rua , mas não  há como confundir os dois lados. Este pequeno passeio foi só para abrir o apetite. Amanhã há mais.


Os mancunianos são simpáticos. Até já acho piada quando me tratam por "luv". E variados. Passeando hoje pela rua vi:
- miúdas que seguramente iam a caminho de um evento de cosplay, tótós roxos e mini-saia tufada...
- punks daqueles old school
- vários degrees de islamic dressing, de véu apenas à full blown burka
- mini-saias que envergonhariam muitos cintos
- e o melhor de tudo: furries! Eles andem aí...

Projectos futuros: yoga ou desenho. Ou os dois. A vida sem bancos é linda.










sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A room with a view

Começando pelas boas notícias: já tenho casa! Apartamento fabuloso, no centro da cidade, super bem decorado, roomates simpáticos. A 10 min a pé do hospital. Más notícias: quarto minúsculo, portanto visitantes terão que optar entre dormir no chão em posição fetal ou dividir a cama comigo (wink wink nudge nudge). Ou hotel, claro - eu já sou cliente da casa do Britannia Sachas, portanto pode ser que consiga um preço simpático. Penso que entidades paterno- fraternais poderão finalmente dormir descansados. A procura de casa foi uma aventura muito mais complicada do que esperava. Claro que o prospecto de ter um quartinho na residência do hospital associado à minha procrastinação embutida (again, procrastinators are the leaders of tomorrow) levaram a que fizesse pouco trabalho de casa antes de cá chegar. Mas o pouco trabalho que fiz também não deu muitos frutos. É difícil perceber o feel de um bairro só pelas imagens de satélite do google (o facto de não existir google street view deveria ter levantado bandeiras vermelhas...). As duas casas que tinha marcado ainda em Lisboa, que me pareciam uma boa opção devido à proximidade do hospital e preço, foram uma desilusão tremenda. Ao que parece a rua do hospital, uma estrada lindíssima, com os edifícios da Universidade, o Museu da Cidade, uma galeria de arte, transforma-se num misto Martim Moniz pré-transformação e Damaia um quarteirão depois do hospital. Sem querer ser xenófoba (aliás, o misto de culturas tem sindo uma das coisas mais interessantes da estadia aqui), na zona muçulmana senti-me pouco segura na rua às 5 da tarde. Os olhares são pouco amigáveis... Talvez explique porque não avistei outros elementos do sexo feminino num trajecto de 800m. Portanto, não contente com o que tinha visto, resolvi subir a parada e procurar no patamar seguinte de preços. E encontrei este apartamento:

"Single bedroom available in a newly renovated 4 bedroom apartment in City Centre Manchester, based in a former College in a Grade 2 listed building. The room has a has a cool 'boutique hotel' feel with wall mounted freeview TV and DVD player. The apartment has an outstanding living/dining room overlooking Canal Street with Cable TV and WIFI internet access. There is a utility cupboard with Washing dryer, the main bathroom has a Jacuzzi bath and luxurious Shower to relax after a hard days work. The kitchen has all mod cons including Microwave, Dishwasher, Wine Fridge, Double Oven and American Fridge Freezer.

The apartment is close to all major transport links in the city centre being within a few blocks of Piccadilly Train Station and the coach station, and so is very accessible for travel anywhere in the northwest and easy access to the airport. One of the City Centre's few parks is adjacent to the building and is the perfect place to enjoy the Manchester Sunshine (when it does shine). All amenities are literally on your doorstep including the Manchester nightlife. It really is the perfect location for City Centre living"

Como resistir? Ok, bastava olhar para o preço... Mas fazendo as contas seria só mais 80£ por mês que o tal quarto numa casa sem piada nos scary suburbs. E os anos de vida que não iria roubar à minha mommy também deviam ser levados em conta... Portanto, respondi o anúncio e fiquei à espera de resposta. Após uma troca de emails menos encorajoradora - o landlord estava à procura de alguém que ficasse mais tempo, lá combinamos a visita e a interview para esta tarde. Para começar com o pé direito o bloco começou fora de horas (o problema não és só nosso!) e saí com 20 min de atraso. Assim que me apercebi mandei very polite text message a avisar da demora. Nunca menosprezar o apreço inglês pela pontualidade. Resposta rápida, com informação desoladora: no problem, mas despacha-te que vem outra pessoa ver a casa a seguir. Não me tinha ocorrido que poderia haver competição! Portanto, o trajecto até foi passado preprarando o meu A game. Pelo menos por uma vez dava jeito o look crescido do hospital - ar respeitável e responsável... Foi amor à primeira vista. Bastou-me ver a fachada do prédio. Fiz um esforço para não fazer uma declaração de amor desadequada à la Ted assim que o senhorio abriu a porta. Esta foi na realidade a minha primeira "entrevista de emprego". Fui simpática, espirituosa, agradável. Usei os meus talentos feminino e flirtei um bocadinho, mas não muito (para ser sincera acho que ele joga na outra equipa, o apartemento está demasiado bem decorado). E terminei com o meu melhor sorriso e um "I love the place. Pick me!". Fui para casa com o coração apertado. Depois de ver este apartamento todos os outros se transformaram em barracas. Já não me basta saber que vou ter voar em Económica? Sofrimento atroz, a verificar o email de 3 em 3 minutos. Mas o meu sales pitch funcionou! A casa é tão fixe que quero ficar aqui mais tempo...

Por falar em razões para querer ficar aqui por mais tempo: por exemplo, o facto dos sinus pilonidalis serem operados pela plástica? E as unhas encravadas também? E até as suturas da face no A&E serem responsabilidade dos plástcos? E o The Cupboard...

O hospital continua a surpreender. Já começo a perceber as guerras internas (chego à conclusão que nenhum serviço é imune), e quem é bom e quem não é. Os internos basicamente mandam na enfermaria, e não parecem apreciar muito que os especialistas se intrometam, abrindo excepção só para alguns. Na realidade, a maioria deles tem pelo menos 7 ou 8 anos de trabalho como médicos. Enquanto nós fazemos um mísero ano comum, eles passam por 4 ou 5 anos como SHO ou posições semelhantes até chegarem a internos da especialidade. E aí são mais 6 anos pelo menos. Nunca mais refilo que 2015 ainda está longe... A Bum Team é genial (mesmo assim, sniff sniff saudadinhas do gang do HDE). São uns palhaços, mas só costumam trocar bocas e piadas quando ninguém está a ver - há que manter a aura de respeitabilidade. Em casa já desisiti de parecer uma pessoa séria, mas aqui ainda há uma pequena hipótese... Hoje quase conseguimos ir ao pub. Quase. A caminho dos cacifos avisaram que tinha chegado um paciente de estimação (um short gut) ao A&E. Portanto, adeus planos. Fica para a próxima semana.

Impressões hospitalares do dia (Warning! Conversa de médico):
- Eles mexem muito pouco nos doentes. E pedem demasiadas permissões. Por exemplo, para canalizar veias, é basicamente preciso um consentimento para cada picadela. 
- Cortam os fios com bigodes demasiado grandes (a Madrinha fuzilava-os a todos)
- Não fazem excisão em bloco do sinus, mas sim curetagem do trajecto.  Também não costumam fazer a depilação com laser. Não me convence, mas dou-lhes a desculpa de que tem muito pouca experiência (coitadinhos...).

Em relação à comida, continuo a sobrevier à base dos pré-feitos. A minha teoria é que se acredito que as embalagens de alface são frescas e limpas também posso acreditar que estas comidas são saudáveis. É o que diz na embalagem. E eles seguramente devem ter por aqui uma versão da ASAE que não lhes permite mentir nestas coisas.

Voltando à propaganda à Primark: porquê é que a lisboeta parece uma feira? Hoje comprei todo um enxoval por 50 libras, incluindo um edredão. Não me importo que se desfaçam em 3 meses. Não tenho espaço na mala para levar de volta.

Planos para amanhã: finalmente algum sightseeing. E se possível ver sol. Ou claridade. Por esta altura do campeonato já aceito qualquer coisa.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Dressed not to kill

 Confesso que já começava a duvidar da fama terrível do tempo de Manchester. Desde que cheguei, apesar da ausência de luz solar, os dias têm sido relativamente agradáveis. Quero dizer, suportáveis. Frio sobreponível ao de Lisboa. Até hoje. Frio, frio frio. Daquele que entra nos ossos. E claro, tinha logo que ser  no dia em que me quis armar em local... Esclarecendo: no hospital estão uns amenos 24ºC. As pessoas trabalham de manga curta. Quase toda a roupa de crescida que trouxe para trabalhar é demasiado quente. Dada as condições de clima tropical/temperado do local de trabalho,  o bom do local vai de roupinha adequada à Primavera lisboeta e um casacão. Depois de derreter nos últimos dias, e com a crença de que o Inverno aqui afinal não era nada de assustador, resolvi fazer como os romanos e fui trabalhar com um vestidinho meia-estação, casaquinho de malha, sabrinas, e casacão  (jeans não são permitidos). Muito má idéia, apercebi-me eu assim que saí do hotel. Infelizmente, para ajudar à situação, já ia com 15 min de atraso. Portanto, entre ser ainda mais fulminada quando entrasse na reunião ou chegar apenas com um caso ligeiro de hipotermia, optei pelo segundo. Mas já não me enganam outra vez. A partir de agora 2 pares de collants, 3 camisolas, luvas, gorro e tapa-orelhas.

 Another day, another dime. Dia muito formativo no hospital. Descobri o que fazem os Senior House Officers (SHO): basicamente tudo o que os Registars mandarem. Um função assim a dar para o escravo/administrativo. O Reg vê o doente, decide plano, e manda o SHO escrever o diário, pedir exames, fazer telefonemas, etc. Sucky, sucky job... Outra descoberta: diferença entre nurse, sister e matron. Ao que parece são só vários níveis de enfermagem - a matron manda na sister que manda na nurse. Todas com unifromes color coded. Aliás, tudo neste hospital é color coded. Ao ponto de se identificar a enfermeira coordenadora do bloco pelo seu uniforme vermelho (os outros são todos azuis). Deve ser lixado ser daltónico por aqui.

 A visita turística hoje envolveu uma espreitadela nos cuidados intensivos pediátricos e neonatais. Ambos gigantes. Mais ou menos 50 camas cada um. Huge. Mais barulhentos. E confusos. Nada de mariquices como batas para os pais. Ou aventais para os cirurgiões. Um bocadinho badalhoco na minha opinião... Mas eles aqui realmente não tem medo dos bichos. Hoje vi um cirurgião a operar sem máscara. Digam o que disserem, não me parece correcto. Outras coisas interessantes que vi hoje no bloco e enfermaria (conversa de cirurgião, os restantes podem saltar as próximas linhas):
- bipolar all the way, para tudo, da pele à tripa.
- manipular o intestino com pinças com dentes. Ao que parece o mundo não acaba. Mas mesmo assim não gosto. It's just wrong.
- os pais podem trazer comida para os doentes. É assustador. Vi de tudo, desde batatas fritas de pacote até noodles in a cup (cujo cheiro activou qualquer área manhosa no meu cérebro, que só pode ser acalmada jantando um copo de chicken and mushroom noodles; já agora, é uma porcaria e tem provavelmente 50x a DDR de sal...). Só pensava na conversinha da treta aquando da alta, sobre comidinhas simples, evitar refrigerantes, etc...
- os encerramentos de estoma tem alta em D2 pós-op, e vão fazer cócó para casa.

Now, for something completely different. Porque é que as lojas têm muito melhor aspecto no estrangeiro? A Primark daqui parece uma boutique, super organizada, sem nada fora do sítio, com empregadas educadissímas.

Your moment of zen:


    

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Just singing in the rain


 Já estou mentalizada que não vou ver a luz do sol em Manchester. Por várias razões. Primeiro, porque não consegue ultrapassar a camada de chuva miudinha/nevoeiro que cobre a cidade de modo aparentemente perpétuo (não é uma queixa, é só mesmo uma constatação - eu adoro nevoeiro). Depois, porque a entrar às  08h e sair às 19h mesmo que houvesse sol eu não o veria. 
 O dia da internagem (desisti de os tratar pelos títulos adequados, até porque hoje aprendi mais 2...) começa às 08h com o "hand over" - passagem de turno em português. O interno que esteve de banco actualiza uma folha de excel com todos os doentes internados, divididos por equipas, cada uma com a sua cor (hehehehe, 50 shades of grey), com diagnósticos, problemas e planos. Muito organizadinhos. 
 Hoje andei a seguir um dos internos da equipa do chefinho nas Ward rounds. Já percebi que Cir Ped é uma especialidade ambulante em todo o lado (por alguma razão a cirurgiã pediátrica da Anatomia de Grey tem uns ténis com rodinhas, ou melhor, tinha...). Devo ter percorrido o hospital de uma ponta à outra várias vezes durante a manhã.  Ao menos serviu de passeio turístico... 
Notas variadas sobre o hospital:
- Há gente em todo o lado. Entre nurses, sisters, nurses' assistants, play therapists, fisioterapeutas, médicos, admnistrativos e palhaços, as enfermarias quase parecem Alfama nos Santos.
- Os quartos são enormes, a maioria só tem uma cama, e os pais fazem como se estivessem em casa. Só falta ver roupa a secar nos aquecedores.
- A comida do hospital é inacreditável. Entramos num quarto para ver um doente e à frente das camas vi tabuleiros com 1)hamburguers e batatas fritas, 2)pizza, feijão e batatas fritas, 3) douradinhos e batatas fritas. Perguntei ao meu guia se aquilo era o almoço dos pais. Pois, não. Almoço do hospital para doentes internados. E depois admiram-se quando têm que operar lontras...
- Ninguém usa o telemóvel no hospital. O facto da rede ser quase inexistente seguramente ajuda, mas ainda não vi ninguém atender chamadas particulares, ou sequer mandar sms's. Impressionada e envergonhada ao mesmo tempo...

Hora do almoço passada no The Cupboard. Nota mental: lembrar a malta do HDE para chatiar o chefe... Os internos cirúrgicos sofrem o mesmo abuso independentemente do local, mas alguns são mais reinvidicativos do que outros. Aqui o hospital está em não conformidade pelo facto de os internos fazerem horas (muitas)  para além das 48h estipuladas por lei. Portanto a internagem reuniu-se e está a fazer pressão sobre a administraçao para contratar mais SHO (Senior House Officer, uma espécie de IAC ) para diminuirem a carga horária de cada um. A discussão passou pela criação de um email colectivo, alguma paranóia relativamente a retaliações, e várias tentativas para que a ameaça velada de fazerem queixa a uma entidade superior fosse "velada" na medida ideal. A determinada altura tive vontade de ter uma boina e erguer o punho gritando "power to the people!". Às vezes penso que levamos a boa vontade e o amor à camisola way too far.

Bloco à tarde. Estou na "Bum Team". Rabos e tripa. Toda a equipa é impecável. E levam a sério o espírito de hospital-escola. Os mais novos operam tanto ou mais que no HDE. E os mais velhos realmente gostam da tarefa de ensinar. Adorei ver uma consultant a ajudar uma das internas mais novas a fazer a sua primeira colostomia. Perguntas pertinentes, explicações, paciência. Momento bonito.

Às seis e meia, sair a correr numa tentativa desesperada de orientar a vida, numa cidade que parece ter um recolher obrigatório às 19. Cartão para o tlm: check. Supplies alimentares: check. Casa: não check... Pequeno update: Miss OvoMolePodre revelou-se tão incompetente como eu suspeitava. Nada de quartinho para mim na residência do hospital. Depois de uma desilusão tremenda com as duas casas que vi, resolvi perder o amor ao $$ e procurar noutra esfera de preços. Uma casa mais central. Para alguma coisa têm de servir os bancos no HGO. Até lá, vou só continuar a aproveitar este momento de rock star e live large num quarto de hotel...